domingo, 13 de abril de 2008

A menoridade disfarçada ou O pessimismo*

Pablo Potrich Corazza[1]

.......... A maioridade da razão descrita por Kant está na constituição da sociedade atual, menorizada, uma vez que, por ilusão, o grande público elitista e determinador de desigualdades se considera “pensante” com capacidade de se servir do seu próprio entendimento sobre como vivem, por que vivem, o que falam, ouvem, escutam e deglutem, babando.
.......... Estando este público restrito a um entendimento televisivo e aculturado, não desenvolvem a premissa básica do iluminismo Kantiano que é “se servir de seu próprio entendimento sem a orientação de outrem” (Kant, 1783). Sendo este público “vítima” do condicionamento da indústria do entretenimento, repassam o único e possível entendimento que absorvem desta incrível elucubração, pois essa indústria de valores e culturas, na sua “santa mesquinhez” adere ao papel de tutor, segundo Kant, que pelo caminho da falta de coragem e decisão, mesmo que inconscientes do público, de se servir de seu próprio entendimento, lhe fornece somente uma simples opção no entendimento de seu mundo subjetivo: o de não haver subjetivo algum e o de apenas olhar e gostar. Raciocinar pra quê? Numa mesa de um shopping qualquer, pergunte a um grupo de jovens o que, para eles, significa moda. Irão rir um pouco e lhe responder que cada pessoa faz e tem sua própria moda. Observando-os você deverá notar que, em geral deverão estar usando boné, camisetas da mesma marca, bermuda a meia canela e um tênis enorme, em cada pé; devem ter acabado de sair do cinema onde assistiram um filme Hollyoodiano (adoraram!), estão fumando, alguém tem uma “banderinha” dos EUA no peito e se dizem independentes e rebeldes. São virgens, mas dizem que estão “comendo” todo mundo, nunca viram cocaína na vida, mas dizem que estão cheirados, afinal o mocinho do filme que eles acabaram de assistir revelava este mesmo padrão de comportamento e era muito bem sucedido.
.......... O pensamento crítico e sensato ainda existe em algumas pessoas que se fazem valer de seus próprios entendimentos. Essa maioridade da razão não é atingida num passe de mágica, é incentivada por instituições que propiciam o encontro e o importante entendimento da cultura, do conhecimento, da arte e desse senso crítico, tão falado, tão ausente e desconhecido. Mas o que dizer quando essas próprias instituições se tornam meios de veiculação dessa odiosa cultura de massa? Dar titulo de professora emérita para a Hebe Camargo ou fazer campanha de vestibular com uma banda chamada Big Head’s, é se deixar levar pela menoridade disfarçada. Esta publicidade se faz cada vez mais desumana no sentido de distorcer a possibilidade de livre arbítrio do ser humano, condicionando sugestivamente a pessoa a fumar, beber, gostar, ter, acatar ou qualquer outra coisa imaginável, afinal a lei de Gerson ainda vigora.
.......... Kant cita, sobre os tutores, metaforicamente que depois de domesticarem seus animais a permanecer no caminho da carroça, mostram-lhes em seguida o perigo que os ameaça se não o seguirem. “Ora este perigo não é assim tão grande, pois aprenderiam por fim muito bem a andar. Só que um tal exemplo intimida e, em geral, gera pavor perante todas as tentativas ulteriores” (KANT, 1783). Seja com um vírus invisível ou com um crucifixo na parede o medo fantasioso que nos é colocado defronte sempre esteve ligado ao nosso livre arbítrio e o nosso entendimento da realidade. Essa antiga maneira de manipulação de massa se faz presente na mídia atual ostentando padrões de beleza e de comportamento que devem ser seguidos para se pertencer a um grupo, o importante é não ser diferente. O diferente causa medo.
.......... O sonho de viver em uma sociedade, de toda, esclarecida, já não é tão distante, na verdade é impossível. Ao que Kant cita a religião como a maior precursora da menoridade isso em sua época, temos hoje a mídia e a indústria do entretenimento, desfazendo as culturas, as artes, o ser humano e a sociedade em si. A era que nos é concedida a viver não é mais a era de reis e governos, não é mais a época de ditaduras militares ou de El Dourados, que Voltaire nos tire este pessimismo das costas, mas é a era da menoridade disfarçada, é a época do subjetivismo insubjetivo, é o tempo dos direitos humanos que só se fazem presentes quando o humano já se tornou desumano, é a modernidade de sábios sem sabedoria tirando oportunidades de que outros a tenham, é o canal da zorra total.
.......... O radicalismo na oposição a essa menoridade forçada se faz cada vez mais necessária, uma vez estando ele contra o que denigre o homem quanto ser pensante, está para o bem da sociedade e da alma de cada pessoa. Não há Pangloss que agüente a atualidade, não há o melhor dos mundos possíveis, nem há uma única e exclusiva farsa (anti) teatral para menorizar a razão e a própria maioridade.

* Tributo a Voltaire
[1] Acadêmico de Psicologia. Filosofo por um dia.




*** Texto produzido para aula de Filosofia da Professora Geovana Dalmás. Ano: 2003. Segundo nível da Facul ***

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