quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Solitário Anônimo


Curta "Solitário Anônimo", genial ilustração das ferrementas biopolíticas contemporâneas. Segue, a baixo, um micro debate a respeito do filme que rolou no Facebook! Abraços Grandes!





Alessandra Xavier Miron bah.
28 de Outubro às 18:10 ·  · 1Você curtiu isso.
  • Ed Antunes
    e onde fica a liberdade???: dentro do controle...
    como eu postei esses dias prafraseando o Édio Raniere...

    A liberdade não seria somente uma prisão com um pouco mais de espaço???

    ... a partir do momento em que se conceituam a liberdade e o direito... muito se perde em questão de respeito...

    não digo que simplesmente se devesse deixá-lo morrer...
    mas também não posso dizer que se pudesse forçá-lo a viver...
    mecanismos de controle e toda essa baboseira...
    bláblábláblábáo-bá!
    28 de Outubro às 19:52 ·  · 2Carregando...
  • Pablo Potrich Corazza pois é meu caro Ed Antunes... é um embrólio!!!
    28 de Outubro às 21:47 ·
  • Édio Raniere Fiquei com a impressão de que a direção do video é do Agamben; tudo não passa de uma aula sobre Biopolítica. A tentativa dele é demonstrar como a ação do Déspota de Fazer Morrer e Deixar Viver (na sociedade de soberania) se transforma nas mãos do Estado Moderno (sociedade de controle) em Fazer Viver e Deixar Morrer
    29 de Outubro às 11:08 ·  · 2Carregando...
  • Ed Antunes
    Esse negócio de fazer e não fazer pelos outros é um troço estranho né??
    vejam bem... temos um paradoxo no ponto de desenvolvimento da autonomia em que as pessoas estão... quando se decide por elas, como foi o caso do Solitário Anônimo, se ...infringe o direito à liberdade para garantir o direito à vida... mas quando se garante a liberdade, muita gente não respeita o direito à vida... nem à sua nem à dos outros... porque eu entendo que jogar um papelzinho de bala no chão pode ser não respeitar a vida... a modificação dos padrões do funcionamento social parece um tanto demorada... e aí??? a gente vai parar aonde?? só quando não tiver mais aonde parar?Ver mais
    29 de Outubro às 20:55 ·  · 1Édio Raniere curtiu isto.
  • Pablo Potrich Corazza Mas não há algo que fica no meio disso? Algo entre a liberdade e a vida (que parece ser então a obrigação)... algo que escapa aos dois conceitos e que move para outra coisa, que não é nem liberdade nem vida, mas é as duas sendo outra coisa...
    29 de Outubro às 21:31 · · 1Carregando...
  • Pablo Potrich Corazza é possível liberdade sem vida ou vida sem liberdade? Essa prisão com mais espaço é a liberdade ou é a vida?
    29 de Outubro às 21:34 ·  · 1Carregando...
  • Édio Raniere
    ‎"Criar um animal que pode fazer promessas - não é esta a tarefa paradoxal que a natureza se impôs, com relação ao homem? Não é este o verdadeiro problema do homem?" Com essa pergunta Nietzsche inicia a Segunda Dissertação de sua Genealogia... da Moral; a partir dessa pergunta quem sabe o deslocamento do problema da Liberdade, que Pablito está propondo, se encontre com a questão da Responsabilidade trazida pelo Ed; dizendo de outra forma: o que está preso é algo que antecede a ação humana; algo que antecede nossas escolhas pessoais; mais do que preso, culpabilizado, judicializado; em busca de liberdade judicializamos a vida; a cada dia mais e mais direitos nos são garantidos por lei; leis que devemos cumprir, obedecer, prometer seguir;
    domingo às 10:19 ·
  • Meus queridos, convido vossas sabedorias, a continuar essa discussão pelo blog: http://socioeducador.wordpress.com/2011/10/10/do-conceito-a-cena-arteintervencao-em-iv-atos/#comment-71;
     
    socioeducador.wordpress.com
    Tema: Culpa, má consciência e coisas afins Objetivo: criar ressonâncias... entre os experimentos cênicos produzidos durante os encontros presenciais, que aconteceram durante o Erep-sul de...Ver mais
    Ontem às 15:29 ·  ·

  • Édio Raniere coincidentemente o debate se inicia, por lá, sobre a questão da Liberdade
    Ontem às 15:30 ·
  • domingo, 16 de outubro de 2011


    Segundo Território Sem Treta no bairro Guarituba em Piraquara/PR.

    Beijos

    Dia de Domingo com Sol e Bienal

    Acordamos cedo. Não sabíamos bem se era cedo ou não, por causa do horário de verão. Mas, de qualquer forma, parecia cedo. Tomamos banho, café, escovamos os dentes e saímos de moto para o centro de Porto Alegre.
     
     
    Primeira Parada: Rodoviária. Compramos as passagens necessárias para a semana. Nada estranho acontecia. As pessoas pareciam bem pois havia sol, e geralmente quando há sol as pessoas parecem estar bem. Montamos na moto e seguimos rumo ao Mercado Público.
     
     
    Segunda Parada: Mercado Público. Estava fechado, como é comum estar todos os domingos. Nos perguntamos, olhando para os lados, por que só nós não sabemos disso?
     
     
    Terceira Parada: Feira de Frutas ao lado do terminal do Mercado. Queríamos comprar damasco para um risotto que havia surgido em ideias culinárias na noite anterior. Caminhamos, mãos dadas, entre o mercado/terminal/feira, no ar ardia um odor que distinguimos como "cheiro de gente" e logo eu emendei "é bom sentirmos esse cheiro, para sempre lembrarmos que é daqui que nós somos". Na feira perguntamos pro moço da venda "tem damasco?" e ele "não, não, aqui não tem essas coisas. Isso aí mesmo eu só conheço por nome, nunca vi!". Me achei meio idiota, mas mesmo assim compramos morangos para usar no lugar do damasco.
    Quarta Parada: Procuramos um Café mas, todos os estabelecimentos de alimentação matinal estavam fechados. "Porque não aproveitamos esse dia bonita, e já que estamos aqui, para ir na Bienal?". Proposta aceita, montamos na moto e saímos na contra mão rumo ao cais do porto.
     
     
    Quinta Parada: Bienal. Entramos, tomamos um suco e comemos os morangos do risotto, acompanhando um torrada de queijo e um pão (de queijo). Tínhamos esquecido a máquina fotográfica e o celular para registrar. Adentramos no mundo geopoético da 8ª Bienal do Mercosul de Porto Alegre (devo confessar que desde muito tempo tenho frequentado as bienais aqui em Porto e em São Paulo, e jurava que já estava de saco cheio. A motivação em apreciar a exposição era mais pela manutenção de uma tradição familiar do que qualquer outra coisa, me sentia um tanto impelido edipicamente aos salões das obras) e nos surpreendemos com as cores das bandeiras que escorriam na parede branca, enquanto brancas ficavam as bandeiras. Ficamos mais espertos para o olhar que nos devolve um mundo e, particularmente, me surpreendi com as novas viagens ao futuro antigo das memórias, das nuances fronteiriças, das ambiguidades híbridas, dos lá e cá, leva e traz das formigas, do sensível do meio, dos objectos quase.
    Não visitamos toda a exposição, pois a arte também solicita seu tempo de elaboração sensível, mas dentre todas as obras que nos surpreenderam, duas em especial gostaria de deixar comentadas aqui:
     
     
    Primeira Obra: Um filme de Cristina Lucas onde encena a pintara de Eugéne Delacroix com a Liberdade levantando a bandeira francesa. É linda a montagem e a arte. Moveu algo em mim que sempre se perguntou, ao olhar uma pintura ou uma fotografia, "o que há 5 segundos antes, o que haverá 5 segundo depois?". E, precisamente nesta imagem, o que será feito de uma Liberdade, peito aberto, luz feminina que guia uma nova (des)ordem social?http://www.bienalmercosul.art.br/artista/221

    Segunda Obra: Oito mesas de vidro contendo inúmeros Cartões Postais antigos originados de Israel, Jordânia e afins. As pessoas não escrevem dos conflitos, elas estão bem, felizes e são amigáveis. Não sei bem o motivo, mas essa obra me emocionou. Não sei o nome do artista e não encontrei foto no site.
    http://www.bienalmercosul.art.br



    A Geopoética aguçou a ardência do odor que sentimos entre o mercado e a feira, o cheiro de gente que nos lembra que somos daqui. Mas ao pensar e sentir que somos daqui quais as fronteiras que estamos delimitando para definir quem não é daqui? E, se preciso lembrar que sou daqui, é porque já estava de saída? Para onde levaria a saída de um lugar em que eu o constituo toda vez que olho, e o olhar me devolve um mundo? Que bandeira representaria o lugar indefinido que eu piso agora e invento ao caminhar sem pensar onde chegar? E que lugar seria este que tomo enquanto real, tão real enquanto o ar e o odor da rua?!?!
    Saímos do Cais, voltamos para casa e fizemos o risotto, ficou muito bom.



    Até mais... abraços fortes!


    quinta-feira, 13 de outubro de 2011

    Hip Hop - Território Sem Treta


    Vídeo produzido a partir do evento HIP HOP - TERRITÓRIO SEM TRETA, no município de Piraquara/PR. E evento foi promovido pelo Programa Construindo a Liberdade, especializado em medidas socioeducativas em meio aberto, mas que tinha a intenção de ampliar o foco para além dos indivíduos, possibilitando espaços autônomos e qualificados para que a galera possa se divertir, trocar experiências, ter experiências.
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    A galera participava da organização dos eventos, antes, durante e depois.
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    Hoje, os TERRITÓRIOS SEM TRETA estão acontecendo todos os meses e cada vez mais legais. 
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    Abraços Fortes ao Povo de Piraquara.  

    O Retorno

    O Blog Retornou
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    Agora
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    Como
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    Objecto Quase
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    ou
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    Desobjecto Quase

    terça-feira, 10 de março de 2009

    Frio

    ...Hoje o dia está frio. Sento na frente desta tela, e como minha amiga Gisele, observo as mãos sobre o teclado. Fico num estado de quem não tem nada o que fazer, mesmo tendo a remota lembrança de que todas as coisas a fazer não cabem nem nas mãos nem no dia. Dou este tempo para mim. Escrever o que jamais foi escrito, embora tudo já tenha sido escrito, por mim ou por outros. Atravessa-me, de forma surreal, este sentimento de repetição, de circulo.
    ...Penso e repenso nos conteúdos todavia inexistentes destas linhas. Pareço não entrar no meu próprio estilo de espancar as teclas. Porque, afinal, em dias frios e tristes, toda a escrita é uma forma de violência. Em dias quentes também, mas hoje está frio. Uma violência contra as teclas, contra os espaços em branco, contra as lacunas da mente, contra a desvontade. Escrever é uma violência de mudança... Toda palavra trás um movimento, e o movimento é violento.
    ...Olho em volta... Nada mais que fotos e resquícios de uma existência comum. Uma forma de ver o mundo. Forma de ver as fotos, as lembranças renunciadas ao meio material.
    ...Sinto comichar a alma quando leio aquela frase do Quintana, “e imaginação é a memória que enlouqueceu”. As purezas da loucura não simplesmente expõem o novo, mas torna-o novo. Assim, quando lembramos de algo, já não vivemos tanto quanto fizemos poesias de nossas vidas. A realidade mentida é a realidade evidente, pois a verdade e a realidade se divorciaram no dia em que o macaco viu o sol e fechou os olhos, apenas imaginando a percepção de uma bola de fogo!
    Hoje o dia está frio. A noite, por surpresa, está escura e assim permanecerá até a aurora. Chove e choveu... Dizem que há pelo menos vinte anos não chovia tanto nesta cidade. Parece que a chuva espalhou-se por entre as camas dos amantes adormecidos, inundou o escritório de um monótono advogado, substituiu as telhas das casas pouco apreciadas, levou a sujeira de uma rua para a outra e outra e outra. A chuva deslizou até agorinha. E veio o frio, seu fiel sucessor. El frio llegó, amenazó el día, apertó los cuellos, agaró las manos. O frio congelou, tiranicamente, os corações e instaurou a poesia.
    ...Bruno desceu a escada escondendo-se na manta preta que entrava na abertura da jaqueta, também preta. Desceu lentamente a escada. O frio o deixava extremamente desconfortável na tentativa dos mais simples movimento. O cabelo comprido que brincava com o vento, parecia brotar por debaixo de uma toca de lã preta, que escondia a testa e uma das sobrancelhas. Os olhos, negros, fechavam-se com o vento cortante, mas não perdiam o brilho. Seu olhar de guri novo, alegre e simpático, escondia a maturidade de um poeta em extinção. As mãos perdiam-se no infinito descolorido da jaqueta. Podia fumar um cigarro naquele momento, o cigarro que segurava em uma das mãos embolsadas, mas esperaria chegar em algum lugar onde o vento não fosse tão cruel. Passo a passo, parecendo segurar uma bola na ponta de cada uma das botas, movendo-se, então, com cuidado para que não caíssem rolando escada a baixo. Chegou, por fim, ao último degrau e assim aos paralelepípedos que guardavam alguns carros. Parou. Um pouco ao lado, escorou-se na parede, o vento já estava mais amigo. Tirou o cigarro do bolso. Acendeu. Deixou as brasas em chamas. Suspirou!

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    Escrito em algum lugar de Passo Fundo, há algum tempo atrás...

    hasta

    terça-feira, 9 de dezembro de 2008

    Agradecimentos Monográficos

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    Agradecimentos do meu trabalho de conclusão de curso - Monografia!
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    AGRADECIMENTOS

    Se eu agradecesse aqui todas as pessoas que gostaria, escreveria outra monografia. Por isso deixo poucas linhas às flores do meu jardim que me ajudaram neste trabalho.
    ...
    Agradeço, pois então, minha mãe Cilene por ter me tirado da cama e me mostrado um mundo de arte e liberdade.
    Meu pai por ter me levado almoçar e ensinado a poesia da prática da vida.
    Minha irmã Vanessa por sua vida de luz e mandalas.
    O Felipe Baiano por compartilhar dos sofrimentos monográficos e das alegrias da vida.
    O Brunão pelas reflexões e discussões e esperanças e amizade sem igual.
    A Gisele pelas horas madrugadas de revisão e amizade sem tamanho.
    A Flavinha e Priscila pelas ajudas a distância.
    A Cissa pelos beijos à distância e conforto na presença.
    A Leda Rúbia pelas risadas e revisadas.
    O Dudu pela cumplicidade e generosidade.
    A Bibiana pela produção de sentido.
    O Bruninho pelos malabares e Bruno Mago pela experiência.
    O Julian pelos quadrinhos.
    A Grazi pela hospedagem na Watsa-Baia.
    Os meus eternos orientadores e amigos, Helio, Suraia, Silvana, Mauro, Lacete, Rosani e demais professores desta vida psi.
    Agradeço a todos que conheci em EREPs e ENEPs, principalmente aos amigos Corepistas. Agradeço aos meus irmãos espermatozóides que me deixaram sair na frente.
    Agradeço Quintana, Drummond e Pessoa, Buarque, Seixas e Dylan, Garcia Marques, Saramago e Lobo-Antunes. Moscovici, Bauman, Barthes e Morin.
    Agradeço especialmente ao meu palhaço, Agrião, que sempre me acompanha na aventura de ser criança em mundos de gente grande.
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    segunda-feira, 18 de agosto de 2008

    O filho do vampiro

    Publicado em La otra orilla, 1945, El hijo del vampiro é considerado o primeiro conto escrito por Cortázar, em 1937.

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    Julio Cortázar

    Tradução de Cassiano Viana

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    Provavelmente todos os fantasmas sabiam que Duggu Van era um vampiro. Não o temiam, mas deixavam o caminho livre quando ele saia de sua tumba precisamente à meia-noite e entrava no antigo castelo à procura de seu alimento favorito.


    O rosto de Duggu Van não era agradável, a quantidade de sangue ingerido desde sua suposta morte – no ano de 1060, pelas mãos de um menino, novo David armado de uma atiradeira-punhal – havia infiltrado em sua pele opaca a coloração mole das madeiras que ficam por muito tempo debaixo d’água. A única vida naquele rosto eram seus olhos. Olhos fixos na figura de Lady Vanda, adormecida como um bebê na cama que não conhecia mais que seu corpo leve.


    Duggu Van caminhava sem fazer ruído, a mescla de vida e morte que formava seu coração se resolvia em qualidades inumanas. Vestido de azul escuro, acompanhado sempre por um silencioso séqüito de perfumes rançosos, o vampiro passeava pelas galerias do castelo buscando depósitos vivos de sangue. A indústria frigorífica o houvera indignado. Lady Vanda, adormecida com a mão sobre os olhos como em premonição do perigo, parecia um bibelô, um terreno propício ou uma cariátide(1).


    Louvável costume de Duggu Van era o de nunca pensar antes da ação. Parado diante da cama, desnudando com a levíssima mão carcomida o corpo da rítmica escultura, a sede de sangue começou a ceder.


    Se os vampiros de apaixonam é coisa que na estória permanece oculta. Se houvesse meditado, a condição tradicional haveria detido talvez à beira do amor, limitando-o ao sangue higiênico e vital, porém Lady Vanda não seria para ele uma mera vítima, destinada a uma série de coleções, a beleza irrompia de sua figura ausente lutando, exatamente no meio do espaço que separava ambos os corpos, com a fome.


    Sem tempo para perplexidades, ingressou Duggu Van com voracidade estrepitosa no amor, o atroz despertar de Lady Vanda atrasando em um segundo as suas possibilidades de defesa e o falso sonho do desmaio houve de entregá-la, branca luz na noite, ao amante.


    Fato é que, de madrugada e antes de ir embora, o vampiro não pode com sua vocação e fez uma pequena sangria no ombro da desvanecida castelhana. Mais tarde, ao pensar naquilo, Duggu Van sustentou para si que as sangrias resultavam muito recomendáveis para os desmaiados. Como em todos os seres, seu pensamento era menos nobre que o simples ato.


    No castelo houve congresso de médicos, perícias pouco agradáveis, sessões conjuratórias e anátemas, e, além do mais uma enfermeira inglesa que se chamava Miss Wilkinson e que bebia genebra com uma naturalidade emocionante. Lady Vanda esteve longo tempo entre a vida e a morte (sic). A hipótese de um pesadelo demasiado verdadeiro foi abatida frente a determinadas comprovações oculares; e, além do mais, quando transcorreu um lapso razoável, a dama teve a certeza de que estava grávida.


    Portas fechadas com Yale haviam detido as tentativas de Duggu Van. O vampiro tinha que alimentar-se de crianças, de ovelhas, até de – horror! – porcos, mas todo o sangue lhe parecia água ao lado daquele de Lady Vanda. Uma simples associação, da qual não o livrara seu caráter de vampiro, exaltava em sua lembrança o gosto de sangue onde havia nadado, guloso, o peixe de sua língua. Inflexível sua tumba na passagem diurna, era preciso aguardar o canto do galo para pular, desfigurado, louco de fome.


    Não havia voltado a ver Lady Vanda, mas seus passos o levavam uma e outra vez à galeria terminada na redonda burla amarela de Yale. Duggu Van estava sensivelmente pior.Pensava às vezes – horizontal e úmido em seu ninho de pedra – que talvez Lady Vanda teria um filho seu, o amor recrudescia então mais que a fome. Sonhava sua febre com violações de trincos, seqüestros, a construção de uma nova tumba matrimonial de ampla capacidade. O paludismo se escondia nele agora.


    O filho crescia, quieto, em Lady Vanda. Uma tarde ouviu Miss Wilkinson gritar para sua senhora. A encontrou pálida, desolada, tocava o ventre coberto ao relento, e dizia:
    - É tal qual o pai, é tal qual o pai.


    Duggu Van, a ponto de morrer a morte dos vampiros (coisa que por razões compreensíveis o aterrorizava), tinha ainda a débil esperança de que seu filho, acaso possuidor de suas mesmas qualidades de sagacidade e destreza, maquinaria algo para trazer-lhe sua mãe algum dia. Lady Vanda ficava cada dia mais pálida e aérea. Os médicos maldiziam, os tônicos recuavam. E ela, repetindo sempre:


    - É tal qual o pai, tal qual o pai.


    Miss Wilkinson chegou à conclusão de que o pequeno vampiro sangrava a mãe com a mais refinada das crueldades. Quando os médicos se inteiraram da situação, falou-se de um abordo, plenamente justificável; porém Lady Vanda se negou, virando a cabeça como um ursinho de pelúcia, acariciando com a direita seu ventre ao relento.


    - É tal qual o pai – disse-. Tal qual o pai.


    O filho de Duggu Van crescia rapidamente. Não apenas ocupava a cavidade que a natureza lhe concedera, mas invadia o resto do corpo de Lady Vanda, que agora podia apenas falar, já não lhe restara sangue; e se havia algum, estava no corpo de seu filho. E quando veio o dia estabelecido para o alumbramento, os médicos disseram que aquele ia ser um parto estranho. Em número de quatro rodearam o leito da parturiente, aguardando que chegasse a meia-noite do trigésimo dia do nono mês do atentado de Duggu Van.


    Na galeria, Miss Wilkinson viu aproximar-se uma sombra. Não gritou porque sabia que não ganharia nada com isso, o rosto de Duggu Van não era de provocar risos, a cor terrosa de seu rosto havia se transformando em um relevo uniforme e cardão, em vez de olhos, duas grandes interrogações lacrimejantes se balanceavam sob o cabelo endurecido.


    - É absolutamente meu – disse o vampiro com a linguagem caprichosa de sua seita – e ninguém pode interpolar-se entre sua essência e meu carinho. Falava do filho; Miss Wilkinson acalmou-se.


    Reunidos em um ângulo do leito, os médicos tratavam de demonstrar uns aos outros que não tinham medo. Passavam a admitir mudanças no corpo de Lady Vanda, sua pele repentinamente escura, as pernas que se enchiam de relevos musculares, o ventre que se achatava suavemente e, com uma naturalidade que parecia quase familiar, o sexo que se transformava no contrário, as mãos que não eram mais as de Lady Vanda. Os médicos sentiam um medo atroz.


    Então, quando soaram as doze, o corpo que havia sido Lady Vanda e era agora seu filho se aprumou docemente no leito e estendeu os braços até a porta aberta. Duggu Van entrou no salão, passou frente os médicos sem vê-los e tocou as mãos de seu filho.


    Os dois, olhando-se como se se conhecessem desde sempre, saíram pela janela, a cama ligeiramente desarrumada, os médicos balbuciando coisas em torno dela, contemplando sobre as mesas os instrumentos do ofício, a balança para pesar o recémnascido e Miss Wilkinson na porta retorcendo-se as mãos e perguntando, perguntando, perguntando.


    1 Figura humana, geralmente feminina, esculpida em fachadas de edifícios da Grécia antiga. N. do T.


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    Julio Cortázar, Buenos Aires, 1937.
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